A coluna de hoje é um gancho do Daily Prompt da segunda-feira, quando eu escrevi uma carta para eu ler em 2088, já que ao longo do tempo ela estará perdida e misturada entre mais de 1 milhão de textos que certamente eu vá escrever se eu chegar aos 100 anos. Disse bem: se eu, o editor, chegar aos 100 anos, logo, essa carta é uma cápsula do tempo para daqui a 66 anos, que irá chegar até o Josivandro Avelar de 2088 – ou seus herdeiros.
É tempo suficiente para muita coisa ter mudado ao meu redor, embora acredite que as coisas por aqui tenham mudado pouco ou quase nada, e quando muito quase pouco, nos meus 34 anos. Esse ano eu completo 35 e eu estou aqui, pensando no meu futuro, mas pelo menos eu tento garantir a minha aposentadoria. E como? Trabalhando e contando história. Eu escolhi essa vida, não me culpem por isso.
E daí eu queria chamar atenção para esse trecho aqui da carta do Daily Prompt:
E o quanto você contribuiu para essa história acontecer? Você mudou de cidade? Onde você mora agora? Se não se mudou, a cidade onde você nasceu mudou de nome? Você contribuiu para protegê-la dos maus? O nome dos seus pais ou seus irmãos batizam algum logradouro da cidade? Ela evoluiu, não pode estar parada no tempo como está hoje. A geração que queria vê-la assim, provinciana e ultrapassada, já deve ter ido embora. Ou quem sabe, aprendeu com você, que ensinou bastante nesse tempo todo.
A carta para 2088 destaca pontos pessoais, mas esse aqui é um ponto que eu queria tocar: o redor. Se eu fui bem-sucedido em 2088, me mudei de João Pessoa? E onde eu moro agora? Será que eu saí do meu lugar e conquistei o sonho de ter uma estrutura mais ampla e autônoma? A cidade ainda tem estrutura para o meu trabalho? Uma das coisas que eu mais queria, mas eu queria trazer esse sentido amplo de pertencimento.
E se eu fiquei em João Pessoa, a cidade mudou de nome? Ela a tem desde 1930, e há quem proponha mudar por conta do contexto da época em que a figura do ex-presidente (governador) do estado que dá nome a cidade seria uma figura controversa da história e que tal homenagem não se justificaria. Como seria em 2088? Até lá o nome já terá passado de 100 anos. E quem liga para o que significa? Está nos nossos documentos.
Se eu contribuí para protegê-la dos maus: pessoas que querem usar a cidade como plataforma para fazer tudo aquilo que é maléfico para ela com a desculpa de que estão fazendo o melhor para ela. Isso existe hoje e não importam os nomes, cargos, elas existem, estão por aí e se disfarçam de pessoas boas e carismáticas. Repelir essas pessoas, sejam elas quem forem, é como uma injeção de ânimo, principalmente de uma parte considerada esquecida de João Pessoa, mesmo próxima do Centro.
A cidade tem nomes de pessoas, datas, histórias que quase ninguém conhece nas ruas. Talvez eu achei que a minha família um dia tivesse algo assim. Eu falei pais e irmãos, mas queria lembrar da minha tia. Ela morou em uns 20 endereços do vizinho bairro do Cristo Redentor, montou o seu salão de cabeleireira em todos eles e eu a visitava – e cortava o cabelo – em praticamente todos eles. Muita gente a conhecia. Foi uma perda que não fomos só nós, família, que sentimos. E mesmo eu sendo sobrinho, queria eternizar ela em algum logradouro do bairro.
E sem saber para onde eu fui parar, me pergunto se a cidade evoluiu. Porque ela não pode estar parada no tempo desde já. A geração que a queria ver provinciana e ultrapassada já deve ter ido embora e não se enraizou nos jovens que serão os idosos de quando eu chegar aos 100 anos. Ou quem sabe, aprendeu comigo a lutar por soluções em vez de só apontar os problemas, porque reclamar é fácil, apontar soluções gasta neurônios.
De alguma forma, essa mensagem vai chegar em 2088. Ou eu lerei esta história, ou eu serei nome de rua. O futuro se encarrega de contar a história do que vai acontecer daqui a 66 anos.