Parece uma unanimidade das últimas vezes que o Ônibus & Transporte, quando ainda era Ônibus Paraibanos, publicava sobre as últimas inclusões na frota de João Pessoa: ah, as empresas só compram ônibus usados, o sistema está caindo aos pedaços, e por aí vai. Mas só agora você, leitor pessoense, notou isso? A grande verdade é que o sistema pessoense sempre foi isso aí mesmo há mais de 40 anos, por conta de uma dinâmica que ignorou como a nossa cidade cresceu. Mas que você só notou agora porque as empresas não têm como financiar veículos novos para manter um sistema ultrapassado como esse.
O veículo ônibus é sempre o foco das reclamações, mas ninguém parece reclamar da estrutura radiocêntrica das linhas de João Pessoa, que é da década de 1970 e já não se aplica mais numa cidade que cresce para a Zona Sul e praticamente não tem mais o Centro da cidade como ponto de referência, mas que ainda assim muitas vezes você é “obrigado” a passar por lá. Isso explica muito por que os maiores focos de reclamação sobre o sistema vêm dos bairros da Zona Sul da capital paraibana: não tem como você operar um sistema velho em áreas cada vez mais distantes do Centro, quando as linhas não conseguem chegar às pontas com medo de atingir itinerários ineficientes que ninguém quer mexer por serem “tradicionais”. As soluções nunca passam do que o sistema engessado propõe, e o resultado são as cenas que você vê – e que muitas vezes você vive na sua rotina.
Manter essa estrutura radiocêntrica de linhas e corredores não faz o menor sentido para a dinâmica de uma cidade e para onde ela cresce. Mas pelo visto há anos, ninguém percebia que essa era uma bomba que já estourou, mas que ninguém sentiu sua explosão pelo êxtase com ônibus novos. Mas sabe como é: ninguém aqui parece se incomodar com atrasos, se você vai ficar preso no congestionamento, se você vai chegar atrasado no trabalho. O que importa é arrudear, porque está em um ônibus decente! Mas não é o veículo ônibus o único foco dos problemas – e dane-se os outros.
Vamos pegar um exemplo prático de como esse sistema radiocêntrico não funciona mais? Pegue um morador do José Américo que precise ir para os Bancários e vice-versa. Você sabia que mesmo esses bairros estando tão próximos, você não tem um ônibus que os ligue? Você precisa usar a ineficiente par de circulares 2515/5210 – um dos símbolos da “cultura do arrodeio” que impera no sistema pessoense – para poder chegar nessa área se não quiser usar a integração temporal. Ou seja, por teimosia, você prefere andar quase 7 km para ir até um lugar que de carro, você só gasta menos de 2 km. E ainda tem que ir para o Centro! Isso não pode ser exemplo de linha direta! E haja espaço na coluna para mencionar tanto exemplo. Começo a coluna só por esse aí.
Esse é só um dos tantos exemplos de como bairros próximos estão distantes por causa do modelo radiocêntrico de linhas e corredores que ainda impera na capital paraibana. E que muita gente não reclama pelo apego a números de linha, sem levar em conta o tempo de deslocamento por causa dos itinerários completamente engessados. É por isso que só comprar ônibus novo não vai resolver completamente os problemas do sistema, porque você não mudou a estrutura que faz justamente o o ônibus rodar. O veículo sozinho não faz milagres.
Não existe melhoria no sistema que não passe pela mudança de comportamento e de coisas que as pessoas não veem, mas que fazem toda a diferença para a eficiência de um sistema. Sabe o BRT que não vingou? Não implicaria só na mudança dos ônibus e corredores exclusivos. Seu modo de usar o ônibus iria mudar e esse sistema atual, que você praticamente se apegou e acha ter solução apenas na troca dos veículos, já não existiria mais. Nem suas linhas, nem seus números.
O veículo é parte do sistema. E de nada adianta uma frota boa se o sistema não oferece condições, tanto é que esse aspecto foi mascarado por anos no sistema pessoense.