O lugar que você mora é um dos mais afetados pela cultura do arrodeio. De que maneira e como deixaram que se tornasse um hábito?
Pergunta feita por este editor
Sabe o que acontece aqui em João Pessoa? Nunca acostumaram o pessoense a pensar fora da caixa, ou ao menos se orientar por onde ele está quando vai a algum lugar. A culpa é de quem gere, de quem regula, de quem fiscaliza, e isso é algo que vem de mais de 40 anos. É por aí que a gente responde a parte final da pergunta: a cultura do arrodeio virou um hábito por falta de estudos reais sobre o sistema de transporte público ao longo do tempo.
O sistema de linhas e corredores de João Pessoa é radiocêntrico, ou seja, as linhas saem dos extremos da cidade com destino ao Centro, sempre passando por alguma avenida importante da cidade, e essas avenidas são os corredores. E é um sistema composto de linhas radiais e circulares. Acontece que esse sistema é da década de 1970 e os extremos dessa década viraram o meio da cidade, visto que, lógico, em 40 anos a cidade cresce. O que acontece? O sistema não acompanhou!
E onde entra a necessidade da pesquisa origem-destino, que até onde eu sei, nunca foi feita para redesenhar as linhas de ônibus da cidade? Porque como bem mencionado acima, o sistema é da década de 1970, que desconsiderava que determinados lugares da cidade teriam mais oportunidades de empregos e estudos, bem como desconsiderava que determinados lugares da cidade pura e simplesmente iriam crescer, e até outros iriam existir. O que foi planejado para uma cidade com 40, 50 mil habitantes continua sendo usado como base para uma cidade de quase 1 milhão de habitantes.
Por exemplo: não existe uma linha direta do bairro do Cristo até a UFPB, e não vale dizer 2515 e 5210 ou 2300 e 3200: elas têm que passar antes pelo Centro, por um corredor completo (Epitácio Pessoa ou Pedro II), para daí chegar na UFPB. Você tem que andar pelo menos 12 km de ônibus, quando o ideal seria passar pela BR-230 e andar só 6 km. Se dá uma volta de 270 graus, não são linhas diretas, porque eu tenho que passar por outros locais antes de chegar na UFPB. O sufoco que o passageiro do bairro da Torre, por exemplo, não passa. Por aí você entende.
Utilizaram o mecanismo de circular empregado pela Setusa, antiga empresa estatal, no final da década de 1980 para simplesmente fazer linhas maiores do que as que existiam como se elas fossem a solução de todos os problemas, o que leva a percepção de que “ah, essa linha vai direto para tal lugar, então tá ótimo”. Mesmo que para isso você ande o dobro do que faria um morador de outro bairro que vai levar menos tempo. E muita gente nem se dá conta disso.
A cultura do arrodeio ainda se estende as próprias baldeações, ou seja, as trocas de ônibus sem pagamento de passagem, que muita gente chama de “integração”. Quando existia a possibilidade de fazer a baldeação de maneira física no Terminal do Varadouro, de tão somente descer de um carro e entrar em outro em um terminal cercado, prometeram na época construir outros terminais parecidos em pontos estratégicos da cidade, eu me lembro disso. Mas sobrecarregaram o Terminal do Varadouro obrigando o passageiro a ir até lá para fazer a troca de ônibus, resultando em ônibus lotados.
Hoje o modelo de baldeação física não existe mais no Terminal do Varadouro (mesmo lá você precisa usar o cartão para fazer a troca de ônibus), mas não tem como não acreditar que apenas restabelecer a baldeação física neste ponto vai resolver todos os problemas sem antes construir outros terminais, como foi feito no Valentina e que poderia ser uma mão na roda para os bairros adjacentes não fosse esse “pequeno detalhe”. Tem que construir outros terminais em pontos estratégicos se esse for o pensamento.
Até porque parte dessa cultura está em desconfiar da baldeação eletrônica (ou “integração temporal”, como chamam aqui). Passar de novo por uma catraca para muitos de nós, mesmo que a gente não preste muitas vezes atenção pela correria, é sinônimo de outro débito de quatro reais e noventa centavos mesmo nas vezes em que isso não acontece. É um hábito baseado nas falhas do próprio sistema de bilhetagem eletrônica ainda não totalmente superado.
São coisas e coisas, hábitos e hábitos, que nos fizeram nos acostumar que a solução está naquilo que a gente não se dê conta de que está na raiz do problema. Todo mundo quer chegar no trabalho, na escola ou em casa descansado, começando ou terminando um dia intenso. Antes de propor qualquer tipo de solução (ou o que achem que seja), é preciso entender essas variáveis. E é isso que ninguém está entendendo por aqui. E enquanto ninguém entender, ninguém vai saber por que a gente acreditou que resolveu muita coisa, e percebe que nada mudou.
Este é o tema “Conhecendo Você”, o primeiro post do dia no Site Josivandro Avelar, com perguntas que eu respondo sobre temas de autoconhecimento e cotidiano. Inicialmente elaboradas por inteligência artificial, as perguntas passaram a ser elaboradas por mim e pelo público através dos canais de contato e redes sociais.
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